Eu conheci Dalto nos meados dos anos 60. Ia eu, caminhando pelas calçadas do Ingá, em Niterói, como era comum naquele tempo. Ele, sentado na varanda, cercado pela moçada, tocava e cantava Beatles como eu nunca tinha ouvido antes, a não ser pelos mesmos, é claro. Entrei no meio da galera e comecei a fazer parte do coro tímido daqueles que se atreviam a terçar vozes. Foi assim... Dalto dava aulas de violão em sua casa para uma legião de fãs que muitas das vezes em vez de aula preferiam ficar escutando o mestre, numa espécie de showzinho particular. Começamos a compor quase que juntos. Fui letrista de sua primeira canção, feita com muito cuidado pois era filho de Seu Dalto, o poeta Dalto Medeiros, parceiro de Silveira, grande contrabaixista e violonista. Uma dupla da maior qualidade, respeitada na cidade, com musicas gravadas pela nata da bossa nova como Tamba trio e Sérgio Mendes entre outros. Autores de “Canção do nosso amor”! Um verdadeiro clássico! Num desses discos em que interpretavam suas canções, Tom Jobimteria escrito na contra capa da sua admiração pela obra daqueles niteroienses. Não foram poucas às vezes em que ficamos quietinhos num canto da sala, tomando o cafezinho de Dona Maria, sua mãe, vendo os dois cobrões comporem. Dalto foi criado assim, no meio da música. Ouvindo Tia Carminha a tocar no piano, temas clássicos de Debussy e Chopin. Vendo o pai compondo bossas. E assimilando tudo que tocava na rádio Nacional, Tamoio, JB, Mundial, Eldorado, que o rádio naquela época tocava de tudo, tocava o que seus programadores gostavam, sem nenhuma preocupação crítica. The Beatles, Altemar Dutra, Juca Chaves, Ray Conniff, Os Cariocas, Elizeth, Elza Soares e Elis Regina, Simonal, Henry Mancini, Roberto Carlos, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Ed Lincoln, Bee Gees, João Gilberto, Elvis Presley, etc. Havia a música boa, brasileira ou não e ninguém perdia tempo patrulhando. Cada um na sua e procurando numa competição sadia, fazer o melhor. Lendo um livro biográfico sobre os Beatles, sorri quando Paul dizia: Eu e John não podíamos ouvir uma grande música que corríamos pra casa para tentar fazer uma melhor. Às vezes competíamos entre nós mesmos e isso fez de nós, compositores melhores. Bons tempos! Quando Dalto foi fazer parte dos Lobos, em 1968, e a banda que já era boa se tornou melhor. Baile cheio. Daí foi um pulo para um teste de gravação. “Fanny”, um charleston que ele fez em menos de 5 minutos, foi direto para as paradas em 69. Aí ele resolveu parar com tudo e terminar a faculdade de Medicina. Mas sempre compondo. Sempre dando aulas que voltou a ser seu ganha pão naqueles dias difíceis. Em 71 fez um retorno aos Lobos para defender no ultimo FIC (Festival Internacional da Canção) a musica “Eu sou eu Nicuri é o diabo” de Raul Seixas. Em 74, ao apresentar uma série de composições a EMI, na esperança de as ver gravadas, foi ele mesmo convidado para gravar duas delas, num compacto simples: “Leila Ly” e aquela que se tornou cult, “Flash back”. Sem abrir mão do seu propósito de concluir a faculdade, ao ver que o compromisso com o sucesso da carreira de cantor inviabilizava tudo, novamente se afastou e ficou no seu cantinho em Niterói. Compondo, estudando e dando aulas de violão até se formar. Em 1980, quase que por acaso (alguém teria tentado assumir a autoria da canção e a apresentou a PolyGram), viu “Bem te vi” gravação de Renato Terra, explodir no Brasil todo. Disco mais vendido naquele ano, tema de novela, 1º lugar nas paradas por meses. E não ficou só nisso. Logo em seguida “Vinho Antigo” e “Leão Ferido” gravados por Biafra, ambas, tomaram conta da rádio fazendo com que, imediatamente, gravadoras começassem a se interessar e procurar por seu repertório. Foi assim, apresentando canções, como sempre na EMI, que Miguel Plopschi o encaminhou para Renato Correa, Diretor Artístico da gravadora na época, deslumbrado com suas performances. Era 1981 e via Radio Cidade, absoluta naquela época, foi lançado “Relax”. Em 82, ao mostrar as novas composições para um outro compacto simples, a gravadora decidiu que tinha material para um LP, coisa muito difícil de ser feita por um artista novo naquele tempo. Foi aí que surgiu “Muito Estranho” nome do disco e da canção histórica. Um ano inteiro no hit parade, vários discos de ouro, platina, mais de um milhão de cópias vendidas num tempo que só Roberto Carlos alcançava esses números. No segundo LP “ Pessoa”, a música com esse nome, uma das primeiras a ter um arranjo direcionado para e com execução totalmente eletrônica, “Espelhos D’Água”, “Anjo”, asseguraram sua posição na música brasileira tanto como compositor quanto como cantor. Daí vieram em seqüência “Onde é que a gente vai?”, “Quase não dá para ser feliz”, “Jezebel” e mais de uma dezena de outras. Canções que foram gravadas ou regravadas por artistas como Ângela Maria, Altemar Dutra, MPB4, Roupa Nova, Marco Sabino, Ray Conniff, Zizi Possi, Wando, Benito de Paula, Golden Boys, Patrícia Marx, e outros. Em 94, Dalto grava o semi acústico, “Guru” com uma releitura de seus sucessos e algumas inéditas como a que dá nome ao disco. Pela gravação de “Véu dos olhos” com participação especial de Marina, ganha o premio Sharp daquele ano para melhor musica pop. Daí vieram novas regravações como as de Beto Guedes, Jorge Aragão e Emilio Santiago e Preta Gil para “Espelhos D’Água”; Simone, Roberta Miranda, KLB para “Muito Estranho”; Marina para “Pessoa”; Ira e Neguinho da Beija Flor para “Flash back” Ray Conniff e Leandro e Leonardo para “Bem te vi” para citar algumas. Em 2002, Dalto teve canções inéditas gravada por Marina, Erasmo Carlos e Daniela Mercury. Sempre compondo e fazendo shows pelo Brasil, tendo suas canções feito parte da trilha musical de dezenas de novelas, Dalto continua em busca de sua melhor música.