Pai, afasta de mim esse cálice
  Pai, afasta de mim esse cálice
  Pai, afasta de mim esse cálice
  De vinho tinto de sangue
  
  Como beber dessa bebida amarga
  Tragar a dor, engolir a labuta
  Mesmo calada a boca, resta o peito
  Silêncio na cidade não se escuta
  De que me vale ser filho da santa
  Melhor seria ser filho da outra
  Outra realidade menos morta
  Tanta mentira, tanta força bruta
  
  Como é difícil acordar calado
  Se na calada da noite eu me dano
  Quero lançar um grito desumano
  Que é uma maneira de ser escutado
  Esse silêncio todo me atordoa
  Atordoado eu permaneço atento
  Na arquibancada pra a qualquer momento
  Ver emergir o monstro da lagoa
  
  De muito gorda a porca já não anda
  De muito usada a faca já não corta
  Como é difícil, pai, abrir a porta
  Essa palavra presa na garganta
  Esse pileque homérico no mundo
  De que adianta ter boa vontade
  Mesmo calado o peito, resta a cuca
  Dos bêbados do centro da cidade
  
  Talvez o mundo não seja pequeno
  Nem seja a vida um fato consumado
  Quero inventar o meu próprio pecado
  Quero morrer do meu próprio veneno
  Quero perder de vez tua cabeça
  Minha cabeça perder teu juízo
  Quero cheirar fumaça de óleo diesel
  Me embriagar até que alguém me esqueça
  
  
  
  
  1973 © by Cara Nova Editora Musical Ltda.