"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
  Estendendo-me os braços, e seguros
  De que seria bom que eu os ouvisse
  Quando me dizem: "vem vem por aqui!"
  Eu olho-os com olhos laços,
  (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
  E cruzo os braços,
  E nunca vou por ali...
  A minha glória é esta:
  Criar desumanidades!
  Não acompanhar ninguém.
  - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
  Com que rasguei o ventre à minha mãe
  Não,eu não vou por aí! Só vou por onde
  Me levam meus próprios passos...
  Se ao que busco saber nenhum de vós responde
  Por que me repetis: "vem vem por aqui!"?
  
  Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
  Redemoinhar aos ventos,
  Feito farrapos, arrastar os pés sangrentos,
  A ir por aí...
  Se vim ao mundo, foi
  Somente para desflorar florestas virgens,
  E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
  O mais que faço não vale nada.
  
  Como, pois, sereis vós
  Que me dareis machados, ferramentas e coragem
  Para eu derrubar os meus obstáculos?...
  Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
  E vós amais o que é fácil!
  Eu amo o Longe e a Miragem,
  Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
  
  Ide! Tendes estradas,
  Tendes tratados, Tendes filósofos, tendes sábios...
  Eu tenho a minha Loucura !
  Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
  E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
  Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
  Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
  Mas eu, que nunca principio nem acabo,
  Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
  
  Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
  Ninguém me peça definições!
  Ninguém me diga: "vem por aqui"!
  A minha vida é um vendaval que se soltou,
  É uma onda que se alevantou,
  É um átomo a mais que se animou...
  Não sei por onde vou,
  Não sei para onde vou
  Sei que não vou por aí!"