Aqui no meu quarto, sozinho,
  Ouvindo baixinho uma canção de amor.
  Do alto da minha janela
  O quadrado é uma tela de som, luz e cor.
  Esqueço a retina parada,
  Olhando pra nada e pra qualquer lugar.
  Lá embaixo a visão se repete,
  É uma grande maquete a se movimentar.
  
  Me deito na cama um momento,
  O olhar desatento no tele-jornal.
  A noite acende a cidade
  Numa claridade artificial.
  E como um papel solto ao vento,
  Solto o pensamento a vagar por aí:
  Da infância a um amor antigo,
  Da mãe a um amigo que eu nunca mais vi.
  
  Mas vem a lembrança recente
  De um amor ausente a me torturar.
  E esse vazio sem jeito,
  Na cama e no peito, me faz relembrar
  Quando ela fechou-me as saídas,
  Levou minha vida sem olhar pra trás.
  Dizendo, assim, se desculpando,
  Baixinho, chorando: ?Eu não te amo mais?.
  
  Revejo num canto, jogadas,
  Palavras cruzadas de um velho jornal.
  E em meio às notícias do dia,
  Rio da ironia de uma vertical
  Que diz: ?sentimento profundo
  Que ilumina o mundo com seu resplendor?.
  E aqui no meu quarto, sozinho, amigo da dor,
  Eu ouço calado, baixinho, uma canção de amor.