A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
  Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
  De repente não tinha pai.
  No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor tua lembrança
  Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
  Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
  Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
  Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
  De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
  Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
  Rangia nos trilhos a muitas praias de distância
  Dizíamos: "E-vem meu pai!" Quando a curva
  Se acendia de luzes semoventes, ah, corríamos
  Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
  Mas ser marraio em teus braços, sentir por último
  Os doces espinhos da tua barba.
  Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e paciência
  Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
  De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
  Se curvavam como ao peso da enorme poesia
  Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
  Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
  Para o cotidiano (e freqüentemente o binóculo
  Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
  Mirando o mar). Dize-me, meu pai
  Que viste tantos anos através do teu óculo-de-alcance
  Que nunca revelaste a ninguém?
  Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta exausto no último lance da maratona.
  Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
  Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa humilde
  A um gesto do mar. A noite se fechava
  Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.