Ia eu pelo conselho de Caminha
  quando vi sentada ao sol uma velhinha
  curioso, uma conversa entabulei
  como se diz nuns romances que eu cá sei
  
  Chamo-me Adozinha, disse, e tenho já
  os meus 84 anos, feitos há
  mês e meio, se a memória não me falha
  mas inda vou durar uns anos, Deus me valha
  
  Com esta da austeridade, meu senhor
  nem sequer da para ir desta pra melhor
  os funerais estão por um preço do outro mundo
  dá pra desistir de ser um moribundo
  
  Rabugenta, eu? Não senhor
  eu hei-de ir desta pra melhor
  mas falo pelos que cá deixo
  não é por mim que eu me queixo
  
  Ó Felisbela, ó Felismina
  ó Adelaide, ó Amelinha
  ó Maria Berta, ó Zulmirinha
  vamos cantar o coro das velhas?
  
  Cá se vai andando
  c'o a cabeça entre as orelhas
  
  Não sei ler nem escrever mas não me ralo
  alguns há que até a caneta lhes faz calo
  é só assinar despachos e decretos
  p'ra nos dar a ler a nós, analfabetos
  
  E saúde, eu tenho p'ra dar e vender
  não preciso de um ministro para ter
  tudo o que ele anda a ver se me pode dar
  pode ir ele p'ro hospital em meu lugar
  
  E quanto a apertar cinto, sinto muito
  Filosofem os que sabem lá do assunto
  Mas com esta cinturinha tão delgada
  Inda posso ser de muitos namorada
  
  Rabugenta, eu? Não senhor
  eu hei-de ir desta pra melhor
  mas falo pelos que cá deixo
  não é por mim que eu me queixo
  
  Ó Felisbela, ó Felismina
  ó Adelaide, ó Amelinha
  ó Maria Berta, ó Zulmirinha
  vamos cantar o coro das velhas?
  
  Cá se vai andando
  c'o a cabeça entre as orelhas
  
  E se a morte mafarrica, mesmo assim
  me apartar das outras velhas, logo a mim
  digo ao diabo, não te temo, ó camafeu
  conheci piores infernos do que o teu
  
  Rabugenta, eu? Não senhor
  eu hei-de ir desta pra melhor
  mas falo pelos que cá deixo
  não é por mim que eu me queixo
  
  Ó Felisbela, ó Felismina
  ó Adelaide, ó Amelinha
  ó Maria Berta, ó Zulmirinha
  vamos cantar o coro das velhas?