Memória de Carreiro
                          
                               Quando ouço na chapada
  O tinir da canga e do carretão
  Sinto por dentro umas pontadas
  Que dor no coração
  
  É que esse canto em eras passadas
  Representava uma aliança
  Entre os cascos na poeira da estrada
  E meus sonhos de criança
  
  O canto da passarada
  Com o carro duetava
  O azul do céu com a terra
  Naquele instante se encontrava
  
  O orvalho da manhã
  Era cristal na luz do dia
  Até parecia o amor
  Ardente do zóio de Maria
  
  Ê tempo que foi
  Te guardo no coração
  Ê carro de boi
  Sumiste no estradão
  
  Ê tempo que foi
  Te guardo no coração
  Ê carro de boi
  Sumiste no estradão
  
  Hoje tenho as mãos calejadas
  Meu trabalho é duro e cruel
  Só me restou uma sorte marvada
  Boi de canga do coronel
  
  Faço parte dessa manada
  Na cidade tonta e perdida
  Me vem na garganta um nó de laçada
  E no meu peito uma sôdade doída
  
  A cantoria da chapada
  Hoje é buzina de metal
  O aboio da boca da noite
  Hoje é sirene de hospital
  
  Orvalho só resta nos olhos
  O sol já não faz meio-dia
  O que ainda me sustenta
  É fé em Deus e paz na guia
  
  Ê tempo que foi
  Te guardo no coração
  Ê carro de boi
  Sumiste no estradão
  
  Ê tempo que foi
  Te guardo no coração
  Ê carro de boi
  Sumiste no estradão
  
  Ê tempo que foi
  Te guardo no coração
  Ê carro de boi
  Sumiste no estradão
  
  Ê tempo que foi
  Te guardo no coração
  Ê carro de boi
  Sumiste no estradão