Clarice
                          
                               Há muita gente apagada pelo tempo
  Nos papéis desta lembrança que tão pouca me ficou
  Igrejas brancas luas claras nas varandas
  Jardins de sonho e cirandas foguetes claros no ar
  
  Que mistério tem Clarice
  Que mistério tem Clarice
  Pra guardar-se assim tão firme, no coração
  
  Clarice era morena como as manhãs são morenas
  Era pequena no jeito de não ser quase ninguém
  Andou conosco caminhos de frutas e passarinhos
  Mais jamais quis se despir
  Entre os meninos e os peixes
  Entre os meninos e os peixes
  Entre os meninos e os peixes do rio, do rio...
  
  Que mistério tem Clarice
  Que mistério tem Clarice
  Pra guardar-se assim tão firme, no coração
  
  Tinha receio do frio, medo de assombração
  O corpo que não mostrava feito de adivinhação
  Os botões sempre fechados
  Clarice tinha o recato de convento e procissão
  
  Eu pergunto o mistério
  Que mistério tem Clarice
  Pra guardar-se assim tão firme, no coração
  
  Soldado fez continência, o coronel reverência
  O padre fez penitência, três novenas e uma trezena
  Mais Clarice era a inocência, nunca mostrou-se a ninguém
  Fez-se modelo das lendas
  Fez-se modelo das lendas
  Das lendas que nos contaram as avós
  
  Que mistério tem Clarice
  Que mistério tem Clarice
  Pra guardar-se assim tão firme, no coração
  
  Tem que um dia amanhecia e Clarice
  Assistiu minha partida, chorando pediu lembrança
  E vendo o barco se afastar de Amaralida
  Desesperadamente linda, soluçando e lentamente
  
  E lentamente despiu o corpo moreno
  E entre todos os presentes
  Até que seu amor sumisse
  Permaneceu no adeus chorando e nua
  Para que a tivesse toda
  Todo tempo que existisse
  
  Que mistério tem Clarice
  Que mistério tem Clarice
  Pra guardar-se assim tão firme, no coração