Girassol da Caverna
                          
                               Holofotes riscando a treva aberta
  Suicídio da luz no breu sem fim
  Iluminando tudo ao redor de mim
  Tenho o riso febril de quem se oferta
  Sou pedaço de terra descoberta
  Por um navegador que sou eu mesmo
  E por mais que a nau viaje a esmo
  Em meu peito a rota é sempre certa
  
  Eu sou um girassol e busco a luz
  Mas nasci dentro de uma caverna
  Com algemas de folhas presa à perna
  E horizonte nenhum que me guiasse
  Eu pensei que aí tudo acabasse
  Quando em mim teu amor fez moradia
  Hasteou esse sol que acenderia
  O planeta inteiro se precisasse
  
  Eu sou um girassol indignado
  E a voz que me rege é a verdade
  Minhas pétalas clamam liberdade
  Para o meu coração agoniado
  Nesse circo de arame farpado
  Palhaço de poucas ilusões
  Cantando na festa dos leões
  Com metade do riso amordaçado
  
  Bastaria vagar pela cidade
  Para ver a angústia em cada face
  E por mais que os olhos eu fechasse
  Sentiria o cheiro da carniça
  Que o dedo maior da mão postiça
  Semeou pelas praças, pelos becos
  Quem chorava já tem os olhos secos
  De esperar o fantasma da justiça
  
  Eu não li o epílogo da peça
  Mas pressinto no jeito dos atores
  O começo do fim desses horrores
  A maldade que na razão tropeça
  E o ciclo da história já tem pressa
  Pra bater o martelo contra a mesa
  E cantar voz bem alta a natureza
  Pra esse sol exilado que regressa...