A Brusca Poesia da Mulher III
                          
                               Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado
  Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido
  herói sem mácula
  Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a
  bilirrubina
  Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco
  quilos
  Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as
  confidências
  E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
  Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.
  Eis que se anuncia de modo sumamente grave
  A vinda da mulher amada, de cuja fragrância
  já me chega o rastro.
  É ela uma menina, parece de plumas
  E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos
  ventos
  Empós meu canto. É ela uma menina.
  Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
  Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
  Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos
  Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
  Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
  A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.
  Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
  Em rodopios nítidos
  Criando vácuos onde morrem as aves.
  Seu corpo, pouco a pouco
  Abre-se em pétalas... Ei-la que vem vindo
  Como uma escura rosa voltejante
  Surgida de um jardim imenso em trevas.
  Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos!
  Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!
  Alvoroçai-me, auroras nascituras!
  Eis que chega de longe, como a estrela
  De longe, como o tempo
  A minha amada última!