Quatro Sonetos de Meditação
                          
                               I
  
  Mas o instante passou. A carne nova
  Sente a primeira fibra enrijecer
  E o seu sonho infinito de morrer
  Passa a caber no berço de uma cova.
  
  Outra carne vírá. A primavera
  É carne, o amor é seiva eterna e forte
  Quando o ser que viver unir-se à morte
  No mundo uma criança nascerá.
  
  Importará jamais por quê? Adiante
  O poema é translúcido, e distante
  A palavra que vem do pensamento
  
  Sem saudade. Não ter contentamento.
  Ser simples como o grão de poesia.
  E íntimo como a melancolia.
  
  II
  
  Uma mulher me ama. Se eu me fosse
  Talvez ela sentisse o desalento
  Da árvore jovem que não ouve o vento
  Inconstante e fiel, tardio e doce.
  
  Na sua tarde em flor. Uma mulher
  Me ama como a chama ama o silêncio
  E o seu amor vitorioso vence
  O desejo da morte que me quer.
  
  Uma mulher me ama. Quando o escuro
  Do crepúsculo mórbido e maduro
  Me leva a face ao gênio dos espelhos
  
  E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
  Vindos de ver a morte em mim divina:
  Uma mulher me ama e me ilumina.
  
  III
  
  O efêmero. Ora, um pássaro no vale
  Cantou por um momento, outrora, mas
  O vale escuta ainda envolto em paz
  Para que a voz do pássaro não cale.
  
  E uma fonte futura, hoje primária
  No seio da montanha, irromperá
  Fatal, da pedra ardente, e levará
  À voz a melodia necessária.
  
  O efêmero. E mais tarde, quando antigas
  Se fizerem as flores, e as cantigas
  A uma nova emoção morrerem, cedo
  
  Quem conhecer o vale e o seu segredo
  Nem sequer pensará na fonte, a sós...
  Porém o vale há de escutar a voz.
  
  IV
  
  Apavorado acordo, em treva. O luar
  É como o espectro do meu sonho em mim
  E sem destino, e louco, sou o mar
  Patético, sonâmbulo e sem fim.
  
  Desço na noite, envolto em sono; e os braços
  Como ímãs, atraio o firmamento
  Enquanto os bruxos, velhos e devassos
  Assoviam de mim na voz do vento.
  
  Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
  Sem dimensão e sem razão me leva
  Para o silêncio onde o Silêncio dorme
  
  Enorme. E como o mar dentro da treva
  Num constante arremesso largo e aflito
  Eu me espedaço em vão contra o infinito.