Monologo de Orfeu
                          
                               Mulher mais adorada!
  Agora que não estás, deixa que rompa
  O meu peito em soluços! Te enrustiste
  Em minha vida; e cada hora que passa
  É mais por que te amar, a hora derrama
  O seu óleo de amor, em mim, amada...
  E sabes de uma coisa? Cada vez
  Que o sofrimento vem, essa saudade
  De estar perto, se longe, ou estar mais perto
  Se perto, - que é que eu sei! Essa agonia
  De viver fraco, o peito extravasado
  O mel correndo; essa incapacidade
  De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
  Que é bem capaz de confundir o espírito
  De um homem – nada disso tem importância
  Quando tu chegas com essa charla antiga
  Esse contentamento, essa harmonia
  Esse corpo! E me dizes essas coisas
  Que me dão essa força, essa coragem
  Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
  Meu verso, meu silêncio, minha música!
  Nunca fujas de mim! Sem ti sou nada
  Sou coisa sem razão, jogada, sou
  Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
  Coisa incompreensível! A existência
  Sem ti é como olhar para um relógio
  Só com o ponteiro dos minutos. Tu
  És a hora, és o que dá sentido
  E direção ao tempo, minha amiga
  Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
  A beleza da vida és tu, amada
  Milhões amada! Ah! Criatura! Quem
  Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
  Cujo violão é a vida da cidade
  E cuja fala, como o vento à flor
  Despetala as mulheres – que ele, Orfeu
  Ficasse assim rendido aos teus encantos!
  Mulata, pele escura, dente branco
  Vai teu caminho que eu vou te seguindo
  No pensamento e aqui me deixo rente
  Quando voltares, pela lua cheia
  Para os braços sem fim do teu amigo!
  Vai tua vida, pássaro contente
  Vai tua vida que estarei contigo!