Em Nome do Deus
                          
                               Apresentação
  
  Em nome de um deus supostamente branco e colonizador
  que nações cristãs tem adorado
  como se fosse o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo
  milhões de Negros vem sendo submetidos
  durante séculos, à escravidão, ao desespero e à morte
  No Brasil, na América, na África mãe, no Mundo
  
  
  Deportados, como "peças", da ancestral Aruanda
  encheram de mão de obra barata os canaviais
  e as minas e encheram as senzalas de indivíduos
  desaculturados, clandestinos, inviáveis
  (Enchem ainda de sub-gente -para os brancos senhores
  e as brancas madames e a lei dos brancos
  as cozinhas, os cais, os bordéis
  as favelas, as baixadas, os xadrezes)
  
  Mas um dia, uma noite, surgiram os Quilombos
  e entre todos eles, o Sinaí Negro de Palmares
  e nasceu, de Palmares, o Moisés Negro, Zumbi
  E a liberdade impossível e a identidade proibida floresceram
  "em nome do Deus de todos os nomes"
  "que fez toda carne, a preta e a branca
  vermelhas no sangue"
  Vindos "do fundo da terra", "da carne do açoite"
  "do exilio da vida", os Negros resolveram forçar
  "os novos Albores" e reconquistar Palmares
  e voltar a Aruanda
  
  E estão aí, de pé, quebrando muitos grilhões -em casa
  na rua, no trabalho, na igreja
  fulgurantemente negros ao sol da Luta e da Esperança
  Para escândalo de muitos fariseus
  e para alivio de muitos arrependidos
  a Missa dos Quilombos confessa
  diante de Deus e da História, esta máxima culpa cristã
  Na música do negro mineiro Milton
  e de seus cantores e tocadores
  oferece ao único Senhor "o trabalho
  as lutas, o martírio do Povo Negro de todos os tempos
  e de todos os lugares"
  
  E garante ao Povo Negro a Paz conquistada da Libertação
  Pelos rios de sangue negro, derramado no mundo
  Pelo sangue do Homem "sem figura humana"
  sacrificado pelos poderes do Império e do Templo
  mas ressuscitado da Ignomínia
  e da Morte pelo Espírito de Deus, seu Pai
  Como toda verdadeira Missa, a Missa dos Quilombos
  é pascal: celebra a Morte e a Ressurreição do Povo Negro
  na Morte e Ressurreição do Cristo
  
  Pedro Tierra e eu, já emprestamos nossa palavra
  iradamente fraterna, à Causa dos Povos Indígenas
  com a "Missa da Terra sem males"
  emprestamos agora a mesma palavra
  à Causa do Povo Negro, com esta Missa dos Quilombos
  
  Está na hora de cantar o Quilombo que vem vindo
  está na hora de celebrar a Missa dos Quilombos
  em rebelde esperança, com todos "os Negros da Africa
  os Afros da América, os Negros do Mundo
  na Aliança com todos os Pobres da Terra"
  
  Pedro Casaldáliga
  
  Em nome do Deus de todos os nomes
  Javé
  Obatalá
  Olorum
  0ió
  
  Em nome do Deus, que a todos os Homens
  nos faz da ternura e do pó
  
  Em nome do Pai, que fez toda carne
  a preta e a branca
  vermelhas no sangue
  
  Em nome do Filho, Jesus nosso irmão
  que nasceu moreno da raça de Abraão
  Em nome do Espírito Santo
  bandeira do canto
  do negro folião
  
  Em nome do Deus verdadeiro
  que amou-nos primeiro
  sem dividição
  
  Em nome dos Três
  que sao um Deus só
  Aquele que era
  que é
  que será
  
  Em nome do Povo que espera
  na graça da Fé
  à voz do Xangô
  o Quilombo-Páscoa
  que o libertará
  
  Em nome do Povo sempre deportado
  pelas brancas velas no exílio dos mares
  marginalizado
  nos cais, nas favelas
  e até nos altares
  
  Em nome do Povo que fez seu Palmares
  que ainda fará Palmares de novo
  Palmares, Palmares, Palmares
  do Povo!