A Chegada de Suassuna no Céu
                          
                               Nos planos do firmamento
  Jesus concedeu um plano
  Queria mostrá um espetáculo
  E oferecê ao Soberano
  Precisava de um dramaturgo
  Pensô logo em Ariano
  
  Mandô do céu um convite
  Mas o Ariano não leu
  Pois veio noutro idioma
  Ele botô num canto e esqueceu
  Nem sequer observou
  Quem foi Cristo que escreveu
  Bom, Jesus sem ter a resposta
  Logo torceu o bigode
  Sabia que Suassuna
  Era teimoso feito um bode
  Não atendia Jesus
  Oh! meu Deus
  Como é que pode?
  
  Bom, perdendo a santa paciência
  Apelou pra outro suporte
  Pra cumpri essa missão
  Ordenô a dona morte
  Vá buscá esse escritor
  E que a sua foice não perca o corte
  
  A morte veio ao país
  Como turista estrangeiro
  Achando que o Brasil
  Era o Rio de Janeiro
  É, no rastro de Suassuna
  Sobrô pra Ubaldo Ribeiro
  
  É, depois comparando o Ubaldo
  Viu que tinha errado os plano
  Nem a image aparecia
  Devia sê um engano
  Então perguntô ao João
  E onde eu acho o Ariano?
  
  O João Ubaldo, coitado
  Quase que fica maluco
  Naquele susto arretado
  E na ponta do cavuco
  Gaguejando foi falando
  Ele mora em Pernambuco
  
  Xi! danou-se
  Diz a dona morte
  Dinheiro não tenho mais
  Recife fica mais longe
  E esse Ariano aí é sagaz
  Escapô mais uma vez
  Ah! vai ocê mesmo rapaz
  
  Quando chegô lá no céu
  Com aquele escritô baiano
  Cristo lhe deu uma bronca
  Ocê estragô meus planos
  Eu pedi um da Paraíba
  Você me trouxe um baiano
  
  E disse já logo emendando
  João Ubaldo é talentoso
  Porém não escreve tudo
  Viva o povo brasileiro
  É sua obra de estudo
  Mas eu quero é uma peça de humor
  Que o céu tá muito sisudo
  
  Foi consultá os arquivos
  Pra ressuscitá o João
  Mas achô desnecessário
  Pois já era ocasião
  Dele também prestá conta
  Aqui na santa mansão
  
  Dona morte então foi pro Recife
  E ficô lá de plantão
  Na porta do Ariano
  Com sua foice e um arpão
  Foi resmungando
  Quarqué hora ele cai na minha mão
  
  Dona morte colonizada
  Pensando em lhe agradá
  Escreveu uma frase assim
  Uma frase assim
  Welcome Ariano
  Aí é que ele não quis entrá
  
  E ficô mais revortado ainda
  Chegô até a passá mal
  É, pediu pra sê internado
  E a morte sempre seguindo
  Só pra esperá o final
  
  Bão, eu não sei se o Ariano
  Morreu de raiva ou de medo
  Que ele era contra estrangeirismo
  Isso nunca foi segredo, né?
  O certo é que a morte levô ele
  Sem lhe tocá com um dedo
  
  Um anjinho de recado
  Foi chamá o Soberano, dizendo
  Agora o Senhor vai concretizá seu plano
  São Pedro tá lá na porta recebendo o Ariano
  Jesus saiu apressado
  Apertando o nó da manta e disse
  Vô me lembrá dessa data como santa
  A arte de Ariano
  Em toda parte ela encanta
  
  Logo chegô uns companheiro
  Com um chapelão de paia assim
  Chegô Ascenso Ferreira
  O grande Câmara Cascudo
  Zé Pacheco e Zé Limeira
  João Firmino Cabral
  Foi engrossando a fileira
  
  E o próprio João Ubaldo Ribeiro
  Que tinha ido por engano
  Veio de braços aberto
  Pra abraçá Ariano
  E Suassuna falô, o João
  Morrê não tava em meus plano
  
  Depois chegô Jorge Amado
  O ator Paulo Goulart
  Veio também Chico Anísio
  E começô a contá
  Um causo muito engraçado
  Descontraindo o lugá
  
  Por fim chegô Jesus Cristo
  Com seu rosto bronzeado
  Veio de braços abertos
  Suassuna todo emocionado
  Disse assim, ê Seu Mestre
  O resto é papo furado
  
  Suassuna que na vida
  Sonhou em ser imortal
  Entrô pra Academia
  Mas percebeu afinal
  Que imortal é a vida
  No plano celestial
  
  Jesus explicô seu plano
  De fazê uma companhia
  É, de teatro
  E ele era o escritor que Ele queria
  Pra escrevê suas peças
  Enchendo o céu de alegria
  
  Nisso Ariano responde
  Sinhô, eu me sinto honrado
  Porém escrevê uma obra
  É certo isto demorado
  Às vez gasto dez ano
  Pra obtê resultado
  
  Nisso Jesus gargalhou
  E disse, fique à vontade
  Tempo aqui não é problema
  Estamos na eternidade
  E você pode criá
  Na maior tranquilidade
  
  Um home piquinininho
  Com um chapeuzinho banzêro
  Com um singelo instrumento
  Tocô um coco ligeiro
  Falando da Paraíba
  Era o Jackson do Pandeiro
  
  Logo chegô Luiz Gonzaga
  Lindu do Trio Nordestino
  E apontô Dominguinhos
  Junto a José Clementino
  E o grande Humberto Teixeira
  Raul, Zé Marcolino
  
  Depois chegô Marinês
  Com Abdias do lado assim
  E Waldick Soriano
  Com o vozeirão empostado
  Cantando assim
  "Eu não sou cachorro não"
  É, como sempre apaixonado
  
  Veio então Silvio Romero
  Com Catulo da Paixão
  Suassuna, aí
  Aí chegô as lágrima de emoção
  Porque o Catulo com seu pinho
  Sabe o que cantô? "Luar do Sertão"
  
  É, Leandro Gomes de Barros
  Junto a Leonardo Mota
  Chegô Juvenal Galeno
  Otacílio Patriota
  Até Rui Barbosa veio
  Com o título de poliglota
  
  Chegô Regina Dourado
  Tocada de emoção
  Juntinho de Ariano
  Veio e beijô sua mão e disse
  Na sua peça
  Eu quero participação
  
  Ariano então dedicou-se
  Àquele projeto novo
  E ao concluir sua peça
  Jesus deu o seu aprovo
  E a peça foi ensaiada, encenada
  Finalmente para o povo
  
  Ariano foi Quixote
  E lutô de alma pura
  Contra a arte descartável
  Vestiu a sua armadura
  Em qualquer dia do ano
  Eu digo
  Viva Ariano Suassuna
  Padroeiro da cultura