Jangadeiro Abandonado
Não me pregunte quanto tempo faz
Um ano, dez, quarenta, nem sei mais
Porque do tempo ando esquecido
O que eu me alembro e muito bem
É que naquele dia quando vortei do mar não encontrei Maria
Minha muié tinha desaparecido

Não me pregunte se eu sofri despois
Eu só sei dizê que o mundo que era de nós dois
O dilúvio da sodade com ele se acabô
E pela noite sem fim da tristeza eu fiquei suzinho
Na incerteza como se eu fosse quarqué coisa à toa
Que a maré jogô

Não me pregunte pru que da minha jangada
Eu apaguei o nome da marvada
Como alimpa do corpo uma chaga
O sór e a chuva desbotaro a vela
Mas quem diz que eu pude me esquecê dela?
Quá, tinta de lembrança é coisa que não apaga

Não me pregunte pru que o vento frio
Carrego de dô nos assobio
Martelava o nome dela em meus ovido
O már é cheio de reiva me abri os braço
E eu do penhasco sabia que era só dá um passo
E expursá pra sempre ela dos meus sentido

Não me pregunte pru que arresorvi
Trancá a casa donde com ela vivi
Jogá a chave fora e navegá à esmo
Óia, ficá oiando de novo o nosso ninho abandonado, mudo
Vendo a sodade empoeirando tudo
Quero acabá de vez comigo memo

Não me pregunte se é verdade ou não
Tudo que digo cheio de aflição
Nessa agonia que vancês tão vendo
Quem sabe se não falo por despeito
E vô mentindo pra enganá meu peito
E disfarçá pro cês tudo que tô sofrendo

Não, não me pregunte se agora é mais uma ilusão
Ou se é a Maria mesmo, quanta emoção
Que me espera lá na praia, lá, lá no fim da vida
Se passô um ano, dez, quarenta, pouco importa
Se ela lá vem vortando quase morta
Triste, acabada, feia, desdentada, arrependida

Não me pregunte com quem ela andô
Com quem se foi, pru que me abandonô
Não me pregunte não, amigos meus
Pobre Maria, há quanto tempo por ela espero
Como ainda gosto dela, que tanto que lhe quero
Não me pregunte nada, pelo amor de Deus