Homem Não Chora
                          
                               Hoje aqui, oiando pra vancê, meu pai
  Tô me alembrando quanto tempo faz
  Que pela primeira vez na vida eu chorei
  Não foi quando nasci pru que sei que vim berrando
  E disso ninguém se alembra, não
  Foi quando um dia eu caí e levei um trupicão
  Era criança, me esfolei, a perna me doeu
  Quis chorá, oiei pra vancê, que esperança
  Vancê não correu pra do chão me alevanta
  Só me oiô e me falô
  Que isso, rapaz? Alevanta já daí
  Homi não chora
  
  Aquilo que vancê falô naquela hora calou bem fundo
  Pru que vancê era o maió homi do mundo
  Não sabia menti nem pra mim nem pra ninguém
  O tempo foi passando, cresci também
  Mas sempre me alembrando
  Homi não chora
  Foi o que vancê falô
  
  O mundo foi me dando solavanco
  Ia sentindo das pobreza os tranco
  Vendo as tristeza vorteá nossa famía
  E às vez as revorta que eu sentia era tanta
  Que me vinha um nó cego na garganta
  Uma vontade de gritá, berrá, chorá, mas quá
  Tuas palavra, pai, não me saía dos ouvido
  Homi não chora
  
  Intão, memo sentido eu tudo engolia
  E segurava as lágrima que doía
  E elas não caía, nem com tamanho de quarqué uma dô
  
  Veio a guerra de 40 e eu tava lá
  Um homi feito, pronto pra defendê o Brasí
  Vancê e a mãe foram me acompanhá pra despedi
  A mãe, coitada, quando me abraçô, chorô de saluçá
  Mas, nóis dois, não
  Nóis só se oiêmo, se abracêmo e adespedimo
  como dois Homi, sem chorá nem um pingo
  
  Ah! como me alembro bem, era um dia de domingo
  Também quem pode se esquecê daquele tempo ingrato
  Fui pra guerra, briguei, berrei feito um cachorro do mato
  A guerra é coisa que martrata
  Fiquei ferido, com sôdade de vancês, escrevi carta
  Sonhei, quase me desesperei
  mas chorá memo que era bão nunca chorei
  Pruque eu sempre me alembrava
  daquilo que meu pai me ensinô
  Homi não chora
  
  Agora, vendo vancê aí desse jeito, quieto, sem fala
  Inté com a barbinha rala, pru que não teve tempo de fazê
  Todo mundo im vorta, oiando e chorando pru vancê
  Eu quero me alembrá, quero segurá, quero maginá
  Que nóis dois sempre cumbinemo de homi não chorá
  
  Quero maginá que um dia vancê vorta
  pra nossa casa pobre
  E nóis vai podê de novo se vê ansim pra conversá
  Intão vem vindo um desespero que vai tomando conta
  A dô de vê vancê ansim é tanta, é tanta, pai
  Que me vorta aquele nó cego na garganta
  e uma lágrima teimosa quase cai
  
  Óio de novo prôs seus cabelo branco
  E arguém me diz agora pra oiá pela úrtima vez
  Que tá na hora de vancê embarcá
  Passo a minha mão na sua testa que já tá
  já tá sem pensamento
  E a dô que tô sentindo aqui dentro vai aumentando
  aumentando, quase arrebentando os peito
  E eu não vejo outro jeito senão me adescurpá
  O sinhô pediu tanto pra móde eu não chorá
  Home não chora
  O sinhô cansô de me fala, mas, mas pai
  Vendo o sinhô anssim indo simbora
  Me adescurpe, mas tenho que, que chorá