Meu Melhor Amigo
                          
                               Eu tive um amigo, amigo
  Amigo é bão a gente explicá, né?
  Porque a tár de amizade em tudo os canto e cidade
  Já deu muito o que falá
  Esse meu amigo que eu falo era o Surtão, um cachorro
  Que eu encontrei lá no morro no meio de uns gravatá
  
  Cachorro mestiço a lobo, perigoso, difícil de se criá
  Mas esse, esse era mansinho, era fiotinho, novinho
  Cachorrinho sem nome
  Tava morrendo de fome que dava pena de oiá
  Então eu peguei, levei ele lá pra casa
  tratei, cuidei e me pus a lhe acarinhá
  Então virou um amigo, um parente
  um irmão, um fio, sei lá
  
  Nesse tempo eu já vivia num rancho pobre que eu tinha
  Só eu e mais meu fiinho de um ano e meio, dois ano
  Minha muié, coitadinha, com Joãozinho ainda pequeno
  Acabô adoecendo, foi definhando, murchando
  E sem tê nenhum recurso, acabô anssim morrendo
  
  Eu fiquei desesperado com a morte da minha muié
  Eu quase perco a cabeça, mas, mas juro por Deus, inté
  Por mais coisa que aconteça no mundo eu sei que não ai
  Com quarqué dor ou paixão inda mais se sendo um pai
  Que tivé nos seus cuidado um fiinho abençoado
  Como eu tinha o meu João
  
  Então naquele ranchinho era eu, o meu fiinho
  E agora esse cachorrinho que eu batizei de Surtão
  O Surtão logo encorpô, cachorro cresce depressa, né?
  Um bicho grande ficô
  
  Mais memo sendo grandão dava gosto a gente oiá
  O meu menino e o cão brincando lá no quintá
  Lá no terreiro de casa iguá duas criança
  Dois menino inocente brincando muito contente
  Dois passarinho sem asa, era bonito de vê
  
  Uma tarde. Ah! tarde ingrata, nem gosto de me alembrá
  Eu garrei minha espingarda que eu tenho mode caçá
  Pruque só anssim é que se come um naco de carne por lá
  Deixei os dois ali brincando e me afundei pela mata
  Mata fechada, feia, escura inté com o luá
  
  Andei umas par de hora
  Me afundei pra mata afora e fui longe como que
  A noite caiu depressa, mas eu entretido à bessa
  Nem cheguei a percebê
  
  De repente uma trovoada, relâmpago riscando céu
  As nuve negra formando como se fosse um chapéu
  Foi aí que num assombro, num susto, ai meu Deus!
  Disparô meu coração
  Eu me alembrei não tê deixado nem um resto de comida
  Pra alimentá o Surtão
  
  Ah! desembestei feito um louco
  E as ideia pouco a pouco ia formando a desgraça
  Na minha cabeça eu via meu fiinho estraçaiado pelo Surtão
  Esfomeado, por essa fera de raça
  
  Fui correndo, fui correndo, caindo pelos caminho
  Pedindo a Deus um cadinho de força
  Pra mode eu chegá em tempo de lhe sarvá
  A tempestade mais forte trazia um cheiro de morte
  Em vez de cheiro de mato
  Parece que aquele ingrato do mundo ia se acabá
  
  Ah! Meu Deus, Nosso Sinhô
  Cheguei no rancho e o que eu vi? Minhas perna bambeô
  É, saiu de dentro de casa abanando o rabo pra mim o Surtão
  Ensanguentado e eu desesperado já não pensei em mais nada
  Com a minha arma engatiada, puxei sem dó e com reiva
  E no estrondo que ela deu o Surtão rodopiando caiu pertinho
  Sangrando, morrendo nos pé de eu
  
  Eu tava cego de medo de tudo que eu imaginava
  Eu tava meio alocado, por isso eu fiz o que fiz
  Nisso saiu do meu rancho meu fiinho são e sarvo, interinho
  E quando oiô lá pro chão em vez de vim me abraçá
  Saiu numa disparada chorando, chorando
  E se abraçando com o Surtão ficô ali um tempão
  
  Depois me garrô na mão e me levô inté a porta lá do rancho
  Aí nós dois entendemo tudo, tudo direitinho
  Só pra sarvá meu fiinho daquele grande perigo
  O Surtão tinha matado em luta desesperada
  Uma grande onça das pintada
  E eu, eu matei meu amigo