Dia das Mães
                          
                               Mãe, eu volto a te ver na antiga sala
  Onde uma noite te deixei sem fala
  Dizendo adeus como quem vai morrer
  E me viste sumir pela neblina
  Porque a sina das mães é esta sina
  Amar, cuidar, criar depois perder
  
  Perder o filho é como achar a morte
  Perder o filho quando grande e forte
  Já podia ampará-la e compensá-la
  Mas nesse instante uma mulher bonita
  Sorrindo o rouba
  A velha mãe aflita ainda se volta
  Para abençoá-la
  
  Assim partiu e nos abençoaste
  Fui esquecer o bem que me ensinaste
  Fui para o mundo me deseducar
  E tu ficaste num silêncio frio
  Olhando o leito que eu deixei vazio
  Cantando uma cantiga de ninar
  
  Hoje volto coberto de poeira
  E te encontro quietinha na cadeira
  A cabeça pendida sobre o peito
  Quero beijar-te a fronte e não me atrevo
  Quero acordar-te, mas não sei se devo
  Não sinto que me caiba esse direito
  
  O direito de dar-te este desgosto
  De te mostrar nas rugas do meu rosto
  Toda a miséria que me aconteceu
  E quando vires a expressão horrível
  Da minha máscara irreconhecível
  Minha voz rouca murmurar, mamãe sou eu
  
  Eu bebi nas tabernas dos cretinos
  Eu brandi o punhal de assassinos
  Eu andei pelos braços dos canalhas
  Eu fui jogral em todas as comédias
  Eu fui vilão em todas as tragédias
  Eu fui covarde em todas as batalhas
  
  Eu te esqueci, as mães são esquecidas
  Vivi a vida, vivi muitas vidas
  E só agora quando chego ao fim
  Traído pela última esperança
  E só agora quando a dor me alcança
  Lembro quem nunca se esqueceu de mim
  
  Não, eu não devo voltar
  Eu devo ir embora, ser esquecido
  Hã? Mas o que foi?
  De repente eu ouço um ruído
  
  A cadeira rangeu, é tarde agora
  Minha mãe se levanta abrindo os braços
  E me envolvendo num milhão de abraços
  Rendendo graças diz, meu filho, e chora
  
  E chora e treme como fala e ri
  E parece que Deus entrou aqui
  E vê o último dos condenados
  E o seu pranto rolando em minha face
  Quase como se, se o céu me perdoasse
  Me limpando de todos os pecados
  
  Mãe, nos seus braços eu me transfiguro
  Lembro que fui criança, que fui puro
  Sim, eu tenho mãe
  E essa aventura é tanta que eu compreendo o que significa
  O filho é pobre, mas a mãe é rica
  O filho é homem, mas a mãe é santa
  
  Santa que eu fiz envelhecer sofrendo
  Mas que me beija como agradecendo
  Toda a dor que por mim foi causada
  Dos mundo onde andei nada te trouxe
  Mas tu me olhas num olhar tão doce
  Que nada tendo não te falta nada
  
  Dia das mães é o dia da bondade
  Maior que todo o mal da humanidade
  Purificada num amor fecundo
  Ora, por mais que o homem seja um mesquinho
  Enquanto a mãe cantar junto a um bercinho
  Cantará a esperança para o mundo